Pirapetinga 18/08/2018



    Este foi um passeio aguardado há muito tempo, saindo de casa, em Juiz de Fora, rumo à área rural, conhecida como Pirapetinga, mais especificamente a Vila dos Sonhos, um agrupamento de pequenas granjas, onde meu tio Adilson está construindo uma casa. Este passeio foi inédito para mim por se tratar de uma jornada de dois dias, levando todo o equipamento para pernoitar por lá. O trajeto vinha sendo considerado por mim como uma introdução ao cicloturismo, uma modalidade do ciclismo que desejo praticar plenamente em breve.

    Foram vários dias de planejamento, estudando como adaptar a bagagem na bicicleta de forma eficiente, e as maiores dúvidas estavam relacionadas à quantidade de água e alimento. No local de destino, tinha um barraco de obra de 2,5m x 4m,  com um beliche e um banheiro (somente um vaso sanitário), algumas ferramentas e umas mesas e cadeiras. Um poço, dois açudes, e a casa em construção somente com as paredes.

    No local, estavam dois outros tios (Carlos e Marcos) trabalhando na obra, e meu pai (Edmar) que tinha ido ajudá-los, eles iriam voltar para casa no fim da tarde, e eu iria passar a noite sozinho, voltando pela manhã do dia seguinte, esse era o plano.
    Apesar de já saber das camas, levei mesmo assim um isolante térmico de EVA, o que foi muito conveniente, como será visto adiante. Lá no terreno do meu tio, tem um poço (cacimba), mas a água ainda não está boa para o consumo, então por via das dúvidas, levei água a mais por precaução,  para a viagem de ida e para as refeições. No total foram 4 litros de água dispostos no quadro da bicicleta, 2 portas caramanholas, com uma garrafa de 500ml outra de 1,5l e uma garrafa de 2l amarrada com câmaras de ar no tubo inferior, essas câmaras se mostraram muito versáteis.

Essa amarração funcionou surpreendentemente bem, não afrouxou nada.

Este é um porta treco, é só prender entre as tiras.

      O cardápio foi simples, ervilha enlatada,seleta de legumes enlatada, uma lata de atum, 3 pacotes de macarrão instantâneo, um salaminho italiano, um pacote de torradas Bauducco,  2 sachês de sopa vono, um sachê de café solúvel, e um pacotinho de bananadas, essas para comer no caminho. Para preparar a comida, levei uma espiriteira a álcool, e optei por usar uma marmita (ou marmiteira, dependendo da sua região) como panela, pois caso fosse necessário trazer a comida de volta a tampa veda bem. Toda a parte de comida coube na bolsa adaptada no bagageiro.

   Saindo de casa 8:30 da manhã, e o dia estava nublado, chequei tudo, mas não foi o suficiente, pedalei 300m e tinha me esquecido das luvas, então voltei em casa para buscá-las. Saindo de casa, agora de verdade, deu-se início o trajeto de 39Km, com bastante serra para subir.
   No começo estava tudo tranquilo, pedalando numa média de 13Km/h. Como era um sábado, haviam outros ciclistas se exercitando neste trecho inicial, que é bem movimentado por ciclistas, alguns cumprimentavam e outros só estranhavam o volume da minha tralha, embora o mountain bike seja bem disseminado na cidade, a cena chamou atenção.
   Quando começou o trecho de descidas, também apareceram os problemas, meu paralama traseiro ( e eu só estava com ele) desprendeu-se do seat tube e bateu no pneu, fazendo um barulho bem desagradável, e um susto. Eu só posicionei no lugar, e segui a vida, imaginei que seria só por conta de alguma tremedeira mais forte. Mas na próxima descida aconteceu de novo, e então encostei no canto da rua para consertar, peguei umas práticas presilhas de plástico na mochila e prendi o danado do paralama, problema resolvido.
   Estes trechos de descida forte, tive que fazer bem mais devagar que o habitual, por conta do centro de gravidade elevado, a mochila muda muito a dinâmica para fazer curvas, e o terreno de terra e escória solta, é um convite para um tombo. O peso da bike também implica em frenagens retardadas, e é preciso não abusar deles.

   Saindo da estrada principal da região, a estrada de Torreões, peguei o entrocamento na direção do granjeamento de Humaitá, mais adiante entrei na estradinha do antigo curral.
   
O curral à esquerda, e ao fundo as àrvores floridas são os Mulungus (Erythrina Verna).
   Até o momento o trajeto estava muito cômodo, com trechos planos e descidas longas, mas logo o primeiro desafio apareceria, para chegar no Rio do Peixe e dar continuidade até Pirapetinga, era preciso atravessar uma subida bem íngreme, até o loteamento Recanto da Cachoeira. Do curral, até o ponto mais alto desta serra, é uma diferença de 220m para subir, em 5,2Km. No pé do morro, eu dei a primeira pausa oficial para descançar os ombros e comer um biscoitinho, que por um acaso era um pit-stop (o nome nunca foi tão apropriado). Logo a frente se impunha uma rampa bem íngreme, e por conta do peso extra, a fiz empurrando.
 
Este era o meio da subida, no fundo do vale está a estrada por onde passei.



    O tempo ajudou muito, pois a temperatura amena juntamente com as nuvens bloqueando o sol, amenizam cansaço, e a água rende muito mais. No topo do morro, fui presenteado com uma bela vista, que fiquei apreciando durante uma pausa mais longa, de uns 15 minutos.

A bicicleta parece até querer voar nessa foto (866m de altitude).
   Na sequência veio o alívio de uma descida revigorante, e desci tudo que eu tinha subido para chegar até o Rio do Peixe, um dos marcos principais do caminho. Como não me lembrava exatamente do trecho após o rio, já havia marcado no GPS os waypoints para me orientar, e me baseei nele para os quilômetros seguintes até o próximo marco, o Galpão.
   O trecho Rio do Peixe - Galpão, foi realizado por uma estradinha pouco movimentada, o local na verdade é bem ermo. Assim que se sai da estrada principal do rio e acessa a tal estradinha, primeiro se passa por um sítio bem bonito e logo se chega num curral na beira da rua.

O curral mencionado está no canto inferior direito.
  Ao passar pelo curral, se segue numa subida inclinada, passando por dentro de uma mata, e a rua segue paralela a uma cachoeira, então o silêncio é quebrado pelo som da água batendo nas pedras logo ao lado. Saindo dessa matinha, eis que de repente os bois que estavam do lado de baixo da rua se assustaram comigo e começaram a correr, se afastando de mim, no momento que um correu todos correram juntos, uns 15 animais. O que foi um alerta, pude notar que como os animais vêem pouca gente, são mais ariscos, então já fui preparado para o que encontrasse pela frente, este primeiro encontro foi tranquilo, já que havia cerca dos dois lados da rua.
  Mais adiante, fui descendo uma rampa bem devagar, pois as latas no bagageiro estavam batendo e fazendo um cado de barulho, eu que não queria assustar nenhum boi bravo (eu não tenho medo de gado, mas quem já tomou galope de vaca na vida fica esperto, e se precave), os animais desse lugar realmente eram diferentes, e quando você está sozinho, sua cabeça fica elaborando coisas. Ao terminar de descer alguns boisinhos me avistaram, e já não tinha mais cercas, e então decidi passar por eles a pé e sem o capacete, pois tinha suposto que eu estava parecendo muito alienígena para aqueles animais que provavelmente nunca viram um ciclista antes (este trecho não é rota habitual dos ciclistas), e funcionou, estes foram mais calmos, ainda com sentimento de estranheza.
   Ao terminar uma subida íngreme empurrando, logo avistei uma visão que para mim é mais assustadora, um rebanho de nelores, logo acima de mim no pasto, o gado que encontramos normalmente, as vaquinhas coloridas, malhadas,preta etc... são mansas, mas agora o nelore é um animal que já é arisco por natureza, e neste lugar que eu estava então... Continuei empurrando devagar a bicicleta para não assustar os animais, mas do nada, um animal começou a correr, e todo o bando começou a correr no mesmo sentido que eu tinha seguir, eram muitos animais, uns 30,  então montei na bike e corri o máximo que pude, pois eles estavam se aproximando da rua, na minha direção. O som de um grupo de animais correndo, é de tremer o chão, eu dei sorte de o terreno ser mais plano e logo começar a descer, eu sabia que mais para frente teria uma casa com cachorros, o inimigo natural do ciclista, mas como eu estava louco para encontrar com os cães naquele momento.
    Passado o susto, dito e feito, passei pelo mata-burro, e relaxei cheguei perto da casa, e veio aquela cachorrada latindo para cima de mim, eram 5 cachorros, com destaque para um preto bem grande, cachorros de caça de um tal de Maurício, que deu um grito nos cachorros, e logo se foram. Ótimo, minha dose de adrenalina estava nas alturas.
    Alguns quilômetros adiante, cheguei no Galpão, "mas que raios é esse tal de Galpão?". Trata-se de uma pequena comunidade, onde tem a Igreja de São Cristóvão, um grande salão ao lado, onde ocorrem as festas da igreja e da região, e a venda do Antônio Marcos, o único comércio num raio bem grande. É um lugar que faz lembrar aqueles saloons de faroeste, tem até lugar para estacionar os cavalos, e frequentemente alguém aparece montado a cavalo por lá. No Galpão também tem uma instalação da cooperativa de leite local, e um campo de futebol ( que é 50% grama e 50% esterco, pois não é cercado). Ou seja, é onde concentra o povo da região, se precisar comprar comida, queijo, uma cerveja, ou mesmo gasolina, lá você acha.
      Cheguei na venda de um jeito bem engraçado, meu GPS estava emitindo um beep pois eu tinha marcado aquele lugar como waypoint, então não cheguei tão discretamente como eu queria. Cumprimentei o dono da venda, e fui encostar a bike, ele já veio me perguntando de onde eu estava vindo, e começamos a conversar, e essa é uma das experiências bacanas que a bicicleta proporciona, parece que a bicicleta causa uma espécie de simpatia nas pessoas, e as fazem se aproximar.
    Então pedi uma coxinha com coca-cola, e comi com vontade, qualquer refeição é a melhor comida do mundo nestas horas. Como já estava próximo do destino, fiquei um tempinho por lá.Dando continuidade, 2,5Km me separavam do destino, a Vila dos Sonhos. Um trecho predominantemente de descida que fiz em poucos minutos.
    Chegando lá encontrei meus tios e meu pai, com eles estavam o Senhor Afrânio, da granja vizinha e o neto dele, o Caio, que estava se esbaldando brincando na areia. 
   
Da esquerda para direita, Tio Carlos (na laje), Sr. Afrânio, Caio, e meu pai, Edmar.  
   A primeira coisa que fiz , foi estacionar a bike, e dar uma relaxada. Cerca de uma hora depois, meu irmão chegou de carro trazendo meu tio Adilson, que é o dono do terreno, e meu avô. A esposa do Sr. Afrânio matou uma galinha caipira e fez um ensopado paro o almoço, muita generosidade deles, e todos ficamos muito gratos.
 
O barraco que pernoitei, 5 estrelas é pouco.

  Como o Danilo ( meu irmão, o cara de boina na foto) chegou de carro, meu pai junto com o tio Adilson, resolveram ficar até domingo, para darem uma ajeitada na casa, enquanto que meu irmão levou o restante do pessoal de volta para a cidade.
   Então a noite, como eram três para dividir o barraco, as camas ficaram para meu pai e tio, enquanto que para mim sobrou uma bancada de ferramentas para dormir. Nesta hora, o isolante térmico de EVA fez toda a diferença, pois a bancada de compensado era fria, e querendo ou não, 5mm de EVA é mais macio do que a madeira somente.
 
A cama mais estreita que dormi, 70cm aproximadamente.
  A noite foi fria, e utilizei uma manta por dentro do saco de dormir. As frestas nos cantos da parede ficam bem aparentes na fotos, onde pode se ver a luz entrando.
  O trecho de volta não foi bem documentado, no dia seguinte parti 9:40 da manhã, e como o trecho de volta incluiria muita subida, e eu já estava acometido pelo desgaste do dia anterior, preferi não fotografar e voltar direto. Horário de chegada 15:30.
  O percurso embora curto em distância, 39.5 Km (só ida,79Km no total), foi respeitável, por conta da topografia e do peso da bike. Durante a ida fiz um track log utilizando o aplicativo GPS Essentials, para sistema operacional Android. Na volta como estava apertado de tempo, decidi não utilizar o GPS, que já estava com pouca carga de bateria. As imagens a seguir mostram o perfil de elevação do trajeto, assim como o registro das velocidades instantâneas em km/h.


       

  

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